"Então a mulher apareceu dentro das outras mulheres
um chapéu magnífico que todas usavam
como se fosse o mundo todo
numa completa transparência,
cheio de lírios, cheio de mulheres
com uma cabeça na existência"
Cláudia R. Sampaio, Uma mulher aparentemente viva
Yto Barrada
Xavier Ribas
Joel Meyerowitz
Helen Levitt
España,1966
Joel Meyerowitz
Há tantos anos, e ainda aqui.
Lá no «Água Grande» a caminho da roça
negritas batem que batem co’a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes…
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso…
Jazem quedos no regresso para a roça.
Alda Espírito Santo, São Tomé e Príncipe
Porto, maio 2022.
A tepidez chegou antes de tempo e ainda não acreditamos. Soltamos os ombros e os pés mostram-se em sandálias, mas continuamos a olhar o céu com incredulidade, questionando o sol e as trovoadas.
Neste domingo, preguiçoso como se fosse um domingo de agosto, uma grande cortina cobria a rua, sentindo o vento, em lentas oscilações. Do canto daquela uma varanda escorria uma conversa alegre para a rua, vibrante.
Edward S. Curtis
Al-Biruni, 973-1048
Abril, 2022
Um viva! às conversas à sombra da árvore, às viagens contadas, aos sonhos (e desilusões) partilhados. Encantar-me com a bela e frágil humanidade dos outros faz-me ser um pouco mais gentil também com a minha.
Jorn Utzon, Can Feliz
Abril 2022, Maiorca
Soller cheira a flor de laranjeira.
Ou, dito de forma menos prosaica: o paraíso reside nos quintais de Soller, no final de abril.
Começa-se por caminhar na cidade e ser-se surpreendido por riachos de aroma doce, feliz. Com tempo, no final da tarde, entramos em pequenas vielas e descemos até onde parecem ser pátios, quintais, espaços privados, e encontramos uma levada. Acompanhamo-la e ouve-se os rios-torrentes ao lado, supreendem-nos as galinhas empoleiradas no limoeiro, em convénio, espreitamos os gatos, um deles literalmente escondido de rabo de fora.
Caminhamos entre fins de quintais e jardins, e chegamos à orla da cidade. Aí, no sopé da montanha, entramos em núvens, lagos, mares de aroma a flor de laranjeira. Primeiro chega-nos uma onda cheia, gigante, e depois vamos seguindo o caminho e o aroma, parando uma, duas, três, quatro, muitas vezes sonhando com tardes inteiras repetidas no meio das laranjeiras, cadeira pousada, livro na mão ou apenas acompanhando o voo dos pássaros. Ficamos plenos daquele aroma, que ainda parece que sinto na madrugada seguinte.
Feliz, feliz, feliz. Laranjais em todos is quintais, centenas, milhares de árvores a estender-se até ao sopé da Tramuntana.
Se aqui vivesse, passear-me-ia todos os dias por entre os laranjais, passaria horas sentada entre as árvores, faria festas, jantares, partilharia com amigos do peito este aroma. Que felicidade, encanto, espanto.
Study for the Spanish dance, JS Sargent, 1879
Franco Fontana
Miranda July, The Future
Macoto Murayama
Edward Curtis
Cristina Garcia Rodero
Ana Kras
Ladri di biciclette (1948)
Abril 2020
Acordei de madrugada, a pensar que não está bem.
Antes levávamos a poesia à rua.
Agora temos de pegar na poesia que levávamos à rua e trazer para dentro de nós.
Índia, 2019
Para a última viagem de comboio, a mais longa (12 horas), arranjámos uns lugares 'coupé', imensa e estranhamente espaçosos. Depois de viagens em que partilhámos carruagem com estudantes universitários, com famílias que nos ofereceram parte do jantar (cozinhado pelo marido!, coisa que se diz rara aqui), com famílias e homens que dormiam aninhados nos bancos para que todos coubessem (num por baixo do meu estavam dois homens, cabeça com pés, e no chão entre bancos idem), ou em carruagens claramente sobrelotadas (em que tive de usar das minhas competências de assertividade para levantar dois militares que se tinham apoderado dos nossos lugares), isto repentinamente ficou demasiado sossegado.
Índia, 2019
A casa é da família Menezes, a senhora fala um português perfeito, arredondado, e ouve-se o sino das 7 da tarde. Podia ser em Portugal, mas é a muitas milhas de lá.
Índia, 2019
Goa. Aqui as folhas são mais largas, os olhos mais alongados, os passos mais lentos. A floresta é mais densa, ocupa os espaços largados pelo homem, dá flores e frutos. Aqui aos domingos as belas mulheres penduram flores no cabelo e sorriem muito.
Índia, 2019
Os autocarros de longa distância têm a modalidade AC e non AC, assim como uma chamada sleeper. Pensando que se tratavam simplesmente de lugares reclináveis, deparamo-nos com um autocarro revestido a cabines de um ou dois lugares onde, sentados como marajás, fazemos estes 263km em 6 horas.
Índia, 2019
Primeiro sorriu, envergonhada. Depois, sentindo o sorriso deste lado, sorriu abertamente. Disse-me algo em hindi (creio). Apertei-lhe a mão como resposta. Pediu-me uma fotografia. Voltou a por-se envergonhada quando a tirei.
Índia, 2019
Inside a movie frame.
Índia, 2019
Sábado, dia de alimentar a vaca sagrada e da reza aos deuses hindus. Mãos unidas junto ao peito, voltinha, voltinha, voltinha. Toque de sino, pinta colorida na testa, donativo. Disparo de tiro bem alto, de várias armas de fogo durante o dia, de foguete à noite. Povo castiço, povo estranho, povo maluco, até os cães ficam doidos. Jodhpur
Itália, 2016
Criamos uma expressão. Fare i pugliese. Aplica-se na estrada.
Por exemplo, ao atravessar a rua, calmamente, sem olhar. Falar ao telemóvel enquanto se conduz, sempre, mexendo expressivamente a mão responsável pelo volante. Buzinar frequentemente, para dar passagem ou para cumprimentar. Parar o carro em qualquer lado, sem encostar nem se preocupar com quanto se atravanca a rua, e achar que está estacionado. Ultrapassar na linha contínua, a 110km/h numa zona de 50, e mudar de direção logo a seguir. Eliminar qualquer noção de distância de segurança, ou até esquecer todas as regras de trânsito. E não se ralar minimamente com isso, continuando rua fora tranquilo e contente. Fare i pugliese, é conduzir sem medo do risco, mas também sem esquecer da bella vita.
Les Mondes Silencieux, Brodbeck & De Barbuat
Marrocos, 2012
Tamiko Nishimura
Vidigueira, 2010
laranjas doces da horta, biscoitos feitos na manhã, sotaques e expressões deliciosas, e um 'ah, gosto muito da doutora, que é tão bonita'
(viver pode ser tão simples...)
Lisboa, janeiro 2016
Bruce Davidson, 1959
A Tentadora, Lisboa, 2016
"Isto não é um coum, isto é um jacaré!"
Porto, 2016
We write to taste life twice, in the moment and in retrospect.
Anaïs Nin
Somos crianças feitas para grandes férias.
Ruy Belo
Ruy Belo
La Lisboa alegre de aquellos años con pescadores en las calles y sin Salazar en el trono, me llenó de asombro. En el pequeño hotel la comida era deliciosa. Grandes bandejas de fruta coronaban la mesa. Las casas multicolores; los viejos palacios con arcos en la puerta; las monstruosas catedrales como cascarones, de las que Dios se hubiera ido hace siglos a vivir a otra parte; las casas de juego dentro de antiguos palacios; la multitud infantilmente curiosa en las avenidas; la duquesa de Braganza, perdida la razón, andando hierática por una calle de piedras, seguida por cien chicos vagabundos y atónitos; ésa fue mi entrada a Europa.
Pablo Neruda
A diary is useful during conscious, intentional and painful spiritual evolutions. Then you want to know where you stand... An intimate diary is interesting specially when it records the awakening of ideas; or the awakening of the senses of property; or else when you feel yourself to be dying.
Andre Gide
2016
falemos de sonhos, de poesia,
falemos de abril
Como se recusa o amor?, perguntavas,
O sorriso brincando ao sol com as romãs.
Eugénio de Andrade
Jean-Luc Manaud
Porto, Progresso
Saudades, muitas.
there you are
Leila Alaouï
Arno Minkkinen
a grande lua
sentada sobre a periferia de Lisboa
2015
Devendra Banhart & Ana Kras
Maya Deren
Ukranian-American, 1917-1961
Plossu
''Elle avait une peau ambré et savoureuse comme la pâte d'amandes.''
The Brown sisters, Nicholas Nixon
Shirin Neshat, Women Without Men
boy meets girl,
by Jonathan Schofield
Alla Osipenko with John Markovsky
e o mar reveste-se de seda prateada, salpica-se com diamantes, e paira aos nossos pés
31 agosto 2014
Ida
London, July 2014
Nils Frahm em Viseu, 2014
Na horta arrás da casa laranjeiras
figueiras e uma
romãzeira junto à nora
Frida, por Isamu Noguchi
Porto, 2014
"Inge Morath was, above all, a traveller ... [H]er approach to a story was 'to let it grow', without any apparent concern for narrative structure, trusting in her experience and interests to shape her work rather than in an editorial formula..."
Audrey, by Inge Morath
Tens um cravo
nas mãos
e vens de Abril
Carolina <3
Inge Morath, 1958
bureau
Annie Leibovitz's mother
Romeu <3
Mª Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes
Lina Bo Bardi
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